O fitness é um setor que muito tem crescido nos últimos anos. Fruto desse crescimento,
surgem os novos programas, produtos, metodologias e exercícios em que a procura da
inovação e consequente retribuição financeira têm sido o principal propósito.
Numa área em que a procura de uma relação sustentada saúde-ciência tem sido uma
preocupação constante dos que mais se interessam e dedicam ao tema, caminhos
contrários ou inconsistentes, só nos colocam numa zona cinzenta e com rumo pouco
definido.
A par desse crescimento está também a obsessão e o “culto do corpo” bem como a
necessidade do bem-estar físico e psicológico. Nesse sentido, tendo o exercício físico
um papel de extrema importância nestas ideologias, e sendo este um processo
elaborado que requer aprendizagem, esforço, dedicação e resiliência, o ser humano tem
como instinto procurar as soluções mais fáceis, menos duradoras e fatigantes.
Em pleno século XXI, nós, técnicos de exercício físico, que usamos a internet como
divulgação do nosso trabalho online, tendemos a usar frases e slogans, que poderão
induzir em erro os leitores/utilizadores que nos procuram para desenvolver o seu
“fitness”.
Títulos como “o melhor exercício de pernas”, “o melhor exercício para perder barriga”,
“como ganhar perna mais rapidamente”, “x exercícios para definir o peito”, “os melhores
exercícios para definir os abdominais”, entre outros, são uma estratégia de marketing
muito usual nos dias de hoje.
Perante estas informações, será importante refletirmos:

  • Seremos todos iguais ao ponto de haver um exercício que “encaixe” em todos
    nós?

    Apesar de todos os seres humanos, de forma natural, serem constituídos pelas mesmas
    “peças” (ossos, músculos, órgãos, etc.), essas mesmas “peças” poderão ser diferentes
    de individuo para individuo. Segundo Paul Grilley, “se a estrutura óssea das pessoas é
    diferente, então as suas articulações terão diferentes amplitudes de movimento”. Nesse
    sentido, aplicar as mesmas regras, normas, amplitudes de movimento, de um exercício
    e de forma generalizada, será negligenciar as particularidades interindividuais. Como
    consequência, teremos a proximidade da lesão, precisamente o oposto do que
    deveríamos procurar.
    (Bone photos by Paul Grilley)
  • Será a resposta ao exercício igual para todos?
    Certamente, já todos passámos por uma situação de aula de grupo, onde o treino foi
    comum a todos, mas, mais uma vez, a resposta ao mesmo diverge de individuo para
    individuo. As sensações no pós treino também variam largamente. Dores musculares,
    dores articulares, fadiga geral, febre, ausência de dores, timing de dor, entre outros, são
    respostas ao treino com grande divergência entre os indivíduos.
    Segundo Baumert P e col. (2016), embora algum dano muscular seja necessário para
    promover adaptações positivas no tecido, dano excessivo ou uma recuperação
    deficitária, poderão aumentar o risco de lesão. Estes riscos são mais evidentes na
    população idosa, uma vez que carecem de mais tempo de recuperação que indivíduos
    em idades mais jovens. Ainda assim, parece haver diferentes respostas interindividuais,
    decorrentes do dano muscular via exercício, em que o fator genético poderá ter um
    papel importante.
    As perguntas continuam a surgir:
  • Terá o nosso estilo de vida impacto neste processo? Teremos controlo motor
    na execução deste tipo de tarefas? Serão as adaptações iguais em todos nós?

    Por consequência do contexto atual em que vivemos (isolamento e distanciamento
    social), a propaganda do exercício físico virtual assumiu ainda maiores dimensões. As
    aulas online para massas são cada vez mais frequentes. A fim de prestar um serviço
    realmente autêntico e seguro, caberá ao profissional refletir:
  • Quem nos está a ver? Estará apto para fazer a minha aula? Qual o objetivo da
    minha aula? Estou a garantir a segurança dos utilizadores? Estarão as pessoas
    preparadas para estas tarefas? Talvez seja impossível ter a resposta para todas
    estas questões, mas então o que estamos a promover? Saúde? Bem-estar?

    Embora acredite que a intenção da criação destas metodologias, protocolos, exercícios,
    seja a global “melhoria” da qualidade de vida dos seus seguidores, sabemos que o corpo
    humano é uma “máquina” demasiado complexa e com características únicas. Como tal,
    aplicar forças/resistências nas estruturas musculares e articulares é algo que requer
    conhecimento e responsabilidade.
    Eventualmente, menos saudável que fazer atividade física sem supervisão, será não o
    fazer de todo. Por outro lado, tendo em conta as elevadas taxas de cancelamentos
    (65%) dos clientes dos ginásios (Barómetro do Fitness, 2018) (onde existe uma elevada
    preocupação com a sua retenção), no contexto online, e sem supervisão, se o utilizador
    não tiver uma experiência positiva e segura, poderá colocar em risco a sua adesão a
    programas desta natureza. Embora a investigação sobre esta temática possa ser mais
    aprofundada, um estudo recente de Bianchi FP e col. (2020) sugere que o índice de
    lesão dos praticantes de fitness aumenta quando supervisionados por pessoas não
    qualificadas para o fazer.
    Outros estudos indicam que o índice de lesão em atividades como o HIIT tem vindo a
    aumentar (Rynecki ND, Siracuse BL, Ippolito JA, Beebe KS, 2019). Este tipo de
    atividades ocupa o segundo lugar no “FITNESS TRENDS 2020” (ACSM, 2020)
    permitindo a perceção de uma relação clara lesão-fitness, nos dias de hoje.
  • Qual será o risco quando não há supervisão de todo?
    Não pretendendo opor-me a este tipo de intervenções e uma vez que também é nossa
    função a promoção de um estilo de vida mais ativo, acredito que o mundo online tem
    muito para explorar e é, sem margem para dúvidas, uma ferramenta fundamental para
    chegar a diferentes públicos. No entanto, enquanto profissionais, se nos queremos
    diferenciar e qualificar, devemos tentar fazer mais, melhor e com o pensamento critico
    sempre presente. Assim, surgem novas perguntas…
  • Como posso fazer melhor? De que forma posso ajudar a pessoas a treinar de
    forma mais segura? Como deverei comunicar afim de minimizar os riscos? Como
    posso selecionar as pessoas “mais aptas” para as minhas intervenções? Como
    posso excluir as “não aptas”?

    Talvez ao refletirmos sobre estes assuntos e ao tentarmos arranjar mais e melhores
    soluções, a nossa classe profissional comece a ganhar força e a ser mais reconhecida.
    Vejamos então:
  • Qual será afinal o nosso papel (Técnico de Exercício Físico)?
    Segundo o código deontológico do Técnico de Exercício Físico apresentado pela
    APTEF, o nosso papel passa por:
    1- “…avaliar, planear, prescrever, controlar e acompanhar a prática de exercício físico de
    todos aqueles que procurem os seus serviços, com ou sem condições clínicas associadas,
    tendo como objetivos a SAÚDE e/ou a performance.”
    2- “O TEF tem que ter sempre em conta, ao exercer as suas funções expressas no ponto 1 do
    presente artigo, a SAÚDE de todos aqueles que o procuram, mesmo que o objetivo seja a
    performance.”
    Partindo do princípio absoluto e irrevogável de que a promoção da saúde e bem-estar
    deverá estar sempre em primeira instância e, uma vez que, no contexto profissional
    todos temos o mesmo título, fará sentido que o nosso posicionamento seja o mesmo.
    Desta forma, caminharemos juntos no sentido de uma maior valorização profissional,
    assente no genuíno interesse pela saúde de toda a população que nos procura.
    A própria investigação científica tem evoluído com o intuito de valorar o papel do
    exercício físico na saúde, dando-nos cada vez mais e melhores ferramentas para
    atuarmos na nossa profissão.
    A medicina tem vindo a confirmar este caminho e os próprios profissionais da área tem
    prescrito o exercício físico como um “fármaco” combatente de várias doenças do foro
    físico e mental.
    Expormos, então, os utilizadores, a este tipo de soluções, poderá pôr em risco a sua
    saúde e, nesse sentido, as pessoas deverão estar alertadas para os riscos que correm
    e a necessidade de fazerem escolhas conscientes e informadas.
    Quanto a nós, técnicos de exercício físico, proponho que reflitamos sobre o nosso papel,
    a nossa função, o nosso real propósito. O tamanho da nossa responsabilidade terá de
    ser tão grande quanto o nosso valor. Por isso, e para terminar, apelo a todos os
    profissionais da nossa área que se “entreguem” a esta profissão uma vez que a “arma”
    que temos nas mãos é demasiado potente para ser usada de forma arbitrária. Juntos
    elevaremos a nossa profissão e, só assim…seremos mais fortes
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